quarta-feira, dezembro 20, 2006

[89 / Poignancy (or) Releasing The Tormenting Ghosts]

“How to stay paralyzed by fear of abandonment?/
How to keep people at arms length and never get too close?/
How to mistrust the ones you supposedly love the most?/
How to pretend you’re fine and don’t need help from anyone?/
How to feel worthless unless you're serving or helping someone?/
How to keep smiling when you’re thinking of killing yourself?”

(Alanis Morissette, “Eight Easy Steps”)

Posso personalizar, Alanis?

Como apresentar Distimia, Perturbação Depressiva Major, Perturbação Aguda de Stress e Perturbação de Stress Pós-Traumático no currículo psicopatológico de uma história de vida relativamente jovem?
Como começar a pensar que na vida parece haver um equilíbrio (o tempo passado em momentos felizes será contrabalanceado com momentos infelizes de maior intensidade e duração)?
Como pensar erradamente que num cérebro a Distimia será a única perturbação em remissão completa?
Como ser um caso clínico de comorbilidade?
Como ser abandonado pela resiliência?
Como ouvir as mais corrosivas palavras de sempre?
Como constatar que essas palavras são de facto dirigidas a alguém que vemos constantemente em qualquer espelho?
Como associar essas palavras a uma pessoa completamente satisfeita com o impacto negativo que provoca?
Como ver a auto-imagem degradar-se numa questão de segundos?
Como sentir que se morre sentado numa cadeira de uma sala universitária enquanto se passam apontamentos a limpo?
Como sentir o coração a bater desenfreadamente devido à humilhação pública?
Como reparar que nesses momentos a tarefa de passar apontamentos com letra legível se torna impossível?
Como querer fugir daquele local?
Como permanecer sentado enquanto se ponderam os prós e contras das opções de não reagir, reagir com violência ou desaparecer?
Como pensar que a partir dali nunca mais se será a mesma pessoa?
Como reparar que as palavras corrosivas são partilhadas por outras pessoas, talvez devido aos processos de grupo?
Como permanecer fisicamente numa sala de aula, apesar do cérebro estar bem longe dali?
Como escrever “FALLING DOWN” num caderno preenchido por teorias sociológicas e ter uma amiga a perguntar o motivo para a redacção dessas palavras, não obtendo uma resposta conclusiva?
Como não saber se o regresso a casa é bom ou mau sinal?
Como chegar a casa, trancar-se na casa de banho e chorar ao som da música mais negativa que se consegue encontrar nesse momento?
Como não querer enfrentar o mundo no dia seguinte?
Como não conseguir deixar de pensar na escuridão que o futuro reserva?
Como querer escrever alguma coisa, independentemente do seu nexo, de modo a aliviar por breves instantes o sofrimento indescritível que se experiencia?
Como reparar na eficácia brilhante de se despoletar silenciosamente auto-destruição noutro ser humano?
Como relembrar a frase de um filósofo “toda a gente procura o bem-estar; mas e se eu não o quiser?” ouvida numa aula e aplicá-la à motivação cruel da autora das palavras corrosivas?
Como não conseguir esquecer a existência da pessoa responsável pelo surgimento dos pensamentos intrusivos, tendo a noção de que ela provavelmente já nem se lembraria naquele momento que a vítima ainda permanecia neste mundo?
Como tentar prever se o dia seguinte traria novos ataques psicológicos?
Como sentir que se está na corda bamba por não imaginar que se podia experienciar algo tão devastador?
Como não aguentar a pressão e ir à varanda avaliar a altura que a separava do chão?
Como respirar fundo enquanto se tenta processar um turbilhão de pensamentos?
Como precisar urgentemente de ajuda sem que ninguém o saiba?
Como afastar-se da varanda por se receber uma mensagem de uma amiga perspicaz a perguntar se está tudo bem, e responder-lhe que sim?
Como tomar a decisão de estabelecer uma meta de um mês de vida até voltar a reavaliar-se os desenvolvimentos dos episódios após esse dia?
Como voltar à casa de banho para chorar novamente?
Como permanecer lá dentro até ser hora de jantar, sair e ir sentar-se num sofá para se ir comer ao lado de um colega, disfarçando um sorriso enquanto se tenta ao máximo procurar distracções nas imagens exibidas pela televisão?
Como levar a primeira garfada à boca e sentir um vómito causado pelos nervos incontroláveis?
Como voltar ao refúgio da casa de banho?
Como sentir tremuras, abanões e náuseas?
Como tentar adormecer-se e não se conseguir fazê-lo?
Como mandar uma mensagem desesperada a um amigo e receber um relatório pendente?
Como pensar que não existe nada mais com relevância suficiente para libertar o cérebro dos pensamentos de auto-destruição?
Como não aguentar o silêncio nocturno e voltar a ligar a música até finalmente, ao fim de algumas horas, se adormecer?
Como acordar-se cedo demais no dia seguinte?
Como obter a confirmação de que nunca antes se tinha sentido tão vivamente o desmoronar da segurança do mundo dos sonhos e se acorda para o realismo intenso de um pesadelo?
Como caminhar até à universidade e esperar pela possibilidade da reexperienciação da humilhação sentado num banco à porta da sala de aula?
Como constatar com alívio que as pessoas envolvidas no acto de humilhação não comparecem na aula?
Como imaginar o sorriso sádico feminino que espera pacientemente para se manifestar no momento do primeiro reencontro?
Como sentir ódio e repúdio puro por parte de outro ser humano(?)?
Como perder grande parte das memórias do resto desse segundo dia, sexta-feira?
Como voltar à terra natal com a noção exacta de que nada mais faz sentido e que não se quer abandoná-la, mesmo que isso implique o sacrifício da ascensão profissional?
Como alegar cansaço quando umas das primeiras frases proferidas por uma mãe são “Que se passa? Sentes-te bem?”?
Como querer jantar com os pais e voltar a sentir vómitos?
Como ir para o quarto e saber que uma conversa urgente tida com o amigo da mensagem pendente é a única coisa que estagna a descrição do episódio traumático na presença dos pais?
Como saber que a realização dessa conversa iria desestabilizar permanentemente a coerência familiar?
Como pensar que o amigo específico será a única tábua de salvação possível, desabafar com ele, e vê-lo na melhor das suas intenções a recorrer à sabedoria popular da inutilidade do “tens de esquecer isso”?
Como constatar que se está envolvido neste sofrimento sozinho?
Como vir a saber meses mais tarde, que aqueles precisos dias traumáticos para a vítima foram dos melhores da vida desse amigo, por coincidirem com o início de uma relação íntima relativamente longa?
Como voltar a pensar nas frases “deixa lá isso/tens de esquecer isso” com ironia?
Como lidar com a ideia de que um pedido de ajuda explícito foi substituído por actividades de teor bem mais interessante?
Como achar que esta discrepância de vivências é tremendamente injusta?
Como não poder falar dos pormenores do evento traumático a mais ninguém?
Como passar a desconfiar das pessoas que dão sinais de ter uma atitude semelhante perante um pedido sincero de ajuda?
Como sentir que se caiu num buraco escuro de onde ninguém obtém ajuda para sair de lá?
Como tocar no fundo dos abismos e constatar que o seu chão é feito de areias movediças esfomeadas?
Como saber com desespero renovado que claramente não se esquece algo atormentador, e que o trauma poderá voltar a surgir novamente através de diversas formas inventadas pela dona do sorriso sádico?
Como pensar que provavelmente a repetição do episódio humilhante em frente a outros amigos, seria uma fonte inesgotável de prazer por parte dos perpetradores do episódio traumatizante?
Como bloquear com pensamentos deste cariz?
Como sucumbir perante a impotência e o terror?
Como constatar que os medos se podem tornar numa realidade observável?
Como abandonar a terra natal e voltar para junto da boca do lobo, numa segunda-feira fingindo que tudo está bem?
Como tremer ao saber da proximidade física dos carrascos?
Como vir munido de ajuda sonora e querer permanecer em casa o máximo de tempo possível, enquanto se gritam músicas de teor negativo existencialista?
Como sentir partilha do sofrimento reproduzindo as palavras do conteúdo musical, enquanto se está no chão a reexperienciar cognitivamente o momento traumático?
Como permanecer sentado numa banheira com a água quente ligada durante mais de uma hora e sentir-se morto?
Como misturar essa água quente com água salgada e sofrida?
Como sentir que há problemas que têm apenas uma solução irreversível, que culmina nas estatísticas de várias instituições públicas?
Como querer que a morte chegue depressa?
Como desejar ardentemente possuir uma arma e reproduzir um dos mediáticos massacres académicos americanos, mesmo que depois surja a etiquetagem errada de psicopatia?
Como sonhar com as várias formas de tortura, de modo a poder-se aplicá-las em prol do estabelecimento de algum sentido de justiça?
Como tentar pensar em maneiras de induzir o mesmo sofrimento psicológico nas personagens responsáveis pelo episódio traumático, para que pudessem ser brindadas também com o sabor da crueldade humana?
Como abandonar essas cognições e incutir no pensamento que a forma de vingança se limitará à dignidade de uma espera indeterminada até que a aleatoriedade da morte permita proceder-se à cuspidela no jazigo da dona do sorriso sádico (caso a longevidade seja maior para o caso da vítima)?
Como aguentar o pesadelo mórbido destes sintomas durante os intermináveis dias que compõem seis meses?
Como recuperar mnesicamente apenas os momentos em que houve novas humilhações por parte das mesmas pessoas?
Como perder a traquilidade quando se observa a personagem do sorriso sádico?
Como tremer por escrever este post?
Como querer apagar da memória o fatídico dia de 24 de Março de 2004?
Como voltar a reexperienciar alguns destes sintomas, anos mais tarde, por um período mais curto de tempo, e por razões diferentes, numa fase sazonal balnear na qual toda a gente parece aproveitar a ausência de trabalho para arriscar ser feliz?
Como não encontrar resposta à questão “o que é que eu fiz para ter de passar por isto?”?
Como sentir que se compreende demasiadamente bem o sofrimento de qualquer pessoa com uma depressão verídica e grave?
Como achar que ler um episódio de vida é TÃO mais fácil do que experienciá-lo?

“I've been doing research for years/
I've been practicing my ass off/
I've been training my whole life for this moment, I swear to you/
Culminating just to be this well-versed leader before you.

I’ll teach you all this in eight easy steps/
A course of a lifetime, you’ll never forget/
I'll show you how to in eight easy steps/
I'll show you how leadership looks when taught by the best.”
(Alanis Morissette, “Eight Easy Steps”)

As inscrições encontram-se abertas; serão tidos em conta os processos de grupo que possam advir por parte da dinâmica dos inscritos.

terça-feira, dezembro 12, 2006

[88 / Love Calculator (Because It All Lies Down On Statistics)]

Pensava que tinha recebido mais um daqueles e-mails que pediam para que o reenvio fosse feito para vinte pessoas, caso contrário não receberia mil vales de desconto em hipermercados Lidl… Estava enganado. Pela primeira vez conseguiram com que eu fizesse publicidade a um site proveniente de um e-mail. Provavelmente será a única.


(Because it all lies down on statistics)

quinta-feira, dezembro 07, 2006

[87 / Shine, As If It Was Truly Coming From You]

Não é muito difícil saber se uma pessoa orgulhosa ficou a pensar nas palavras que uma vez lhe expus, apesar de ter permanecido inexpressiva durante esse momento argumentativo.
Ela é facilmente apanhada a reproduzir exactamente as mesmas palavras que previamente lhe disse, como se fossem da sua autoria.

sábado, novembro 25, 2006

[86 / The Insightful Chat]

Esta foi certamente uma das conversas mais ricas que já tive através do MSN. Ela abordou temas bastante pessoais, mas há algo nela de divulgável: o insight que ela me fez ter.
Como editor desta "filtragem", achei pertinente omitir certas passagens de diálogos sobre temas mais intimistas.

"Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
we are all stuck with this human condition
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
and the reality is
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
in 200 years from now
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
the world will be different
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
but the people...
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
they will be going through the same thing as we are
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
and spend their whole lives thinking.
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
2000 years ago
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
I am sure people spend their whole lives thinking
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
the world does get smarter technology wise and stuff
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
but emotionally
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
we all start from zero
[The Nacissistic Blurred Photograph I Decided To Post Because Of The Funny Expression It Captures] diz:
yeah.... it remains the same
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
it would be great if people could learn from generations before
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
and be wiser emotionally as we are with science
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
because science can be passed down
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
but the human condition can’t
(…)
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
so right now
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
we as everyone else are diseased with the human condition
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
I guess it's not a bad thing
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
but we need to learn to deal with it
(…)
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
and Oprah said and I think I agree is that people are reborn at 50
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
that's when people really know themselves
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
they know what they want
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
and there is no other way but to get there
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
only with time
(…)
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
but I am not saying anything conclusive now
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
because
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
I am sure in 5 years from now
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
we will look back
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
and we will be 5 years wiser
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
and know something we don’t know today
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
and we might think we have the answer then
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
but then 5 years after that...
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
we will look back…
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
it never ends
(…)
Life is what happens to you while you're busy making other plans...I want to live! diz:
I guess it ends with death"

quarta-feira, novembro 15, 2006

[85 / 21 Things I Also Want In A Lover]

Já que não tem havido um único nome a invadir o meu “departamento emocional íntimo” há alguns meses, talvez não seja má ideia usar este meio para fazer umas filtragens.
A Alanis Morissette escreveu a letra da música “21 Things I Want In A Lover”.

Acho pertinente considerar a minha versão (não sobreposta à da Alanis, mas sim complementar).

Are you visionary?
Are you good at observing others?
Do you often feel the warmth on your brain when you’re engaged in truly deep thoughts?
Do you feel the majority of other people tend to be superficial even when they want to be seriously responsible?
Do you see beyond the phenotype (outfit and looks)?
Do you expand yourself by liberating your thoughts from narrow-minded cultural points of view?
Are you sensitive, competent and reliable?
Do you not steal others’ chances to be heard?
Do you reinforce discreetly those who are really crawling for it, rather than to point it as their flaw before the reinforcement is given?
Do you not mind exposing your pure thoughts even if there is a risk of them being labelled as ridiculous in front of the blind and unsharped minds, believing that someone else in the crowd will be noticing the sublimity of your acts?
Do you feel you can be the safety rope of someone with special qualities (won’t you let that someone down when you know you’re truly needed?)?
Do you respect other points of view and motivations, as long as they’re harmless to the population?
Are you on your way for your plausible internal workings to be widespread?
Do you have a baggage of justified extreme emotions?
Are you afraid of common sense?
Are you adaptable to different relevant contexts?
Are you mentally challenging?
Do you like to explore fruitful minds because you know you can actually learn precious teachings from it?
Do you feel your uniqueness is not understood?
Are you open-minded and experimental?
Haven’t you felt any difficulties at all fitting these 20 aspects (I’m a bit tired of those who fit everything perfectly but just on the surface)?

segunda-feira, novembro 13, 2006

[84 / One]

Tão diferente é o meu estado actual...
Um ano, do qual pouca foi a relevância das experiências vividas. Daquelas experiências que realmente são positivas e me fazem sorrir, relembrando-as agora sem a interferência subjectiva da proximidade temporal.
Nadar em seco. Sim, é isso o que tenho feito ao longe deste ano.

Se daqui a um ano tiver um discurso completamente distinto, é sinal de que tive sucesso nas minhas mudanças internas que ainda estão em curso.

(Um sincero obrigado à Andreia, porque se não fosse ela, eu não me lembraria do aniversário!)

quinta-feira, novembro 09, 2006

[83 / Surrounding Garbage]

Era uma vez, num qualquer local deste país, um conjunto de pessoas que numa determinada noite exercia uma actividade denominada de praxe. Todos as personagens e figurantes desta pequena história associariam uma outra palavra a esta noite: “baptismo”.
Uma das personagens que fugazmente é referida nesta história é uma das várias meninas e meninos vestidos de negro. Essa menina dirigiu-se desta forma à multidão de face colorida: “Caloiros, agora cada um de vocês vai ter com o padrinho ou madrinha que escolheram, entregam-lhe a prenda e voltam para os vossos sítios. Depois vão ser baptizados pelos respectivos padrinhos ou madrinhas”. A multidão dissolveu-se e voltou a reconstituir-se num intervalo de poucos minutos.
Os meninos vestidos de negro começaram a falar entre si. Estavam curiosos quanto à distribuição das opções feitas pela multidão.
Uma das meninas de negro de repente surgiu no campo visual de um dos meninos de negro. Ela dirigiu-se a ele com estas palavras: “Com quem é que ficaste?”. “Com a (censurado)”, respondeu ele.
Nesse momento a menina vestida de negro virou as costas ao menino de negro e disse para as suas amigas vestidas de negro, com uma voz desanimada: “Eu já sabia!!... Eu já sabia!!...”.
O menino vestido de negro, nesse momento fingiu que não ouviu e pôs-se a pensar que talvez a menina valorizasse uma das pessoas que compunham a multidão; ou então estava desiludida por não ter sido escolhida por ninguém. Era realmente embaraçoso para ela, caso isso fosse uma realidade.
(Esta pequena história omite agora certas passagens temporais que se traduzem em caminhadas até a uma determinada fonte situada num monte)
Chegadas as personagens e os figurantes ao local, separaram-se os membros da multidão colorida dos membros vestidos de negro. O objectivo? Proceder-se ao baptismo. Assim foi feito.
Durante o processo, o menino vestido de negro prestou particular atenção à menina desconsolada que sofrida e desgraçadamente teve de carregar o pesado e desprestigiante fardo de ter de baptizar não uma, não duas, mas três meninas coloridas. Coitadinha… Deve ser uma experiência horrível não ficar com quatro afilhadas…
O menino vestido de negro confirmou nesse preciso momento a dimensão da lata da menina vestida de negro. Para todo o sempre.
Fim

terça-feira, outubro 31, 2006

[82 / Oh, Really?]

Numa aula relativamente recente ouvi uma colega de curso desabafar a uma amiga em baixo volume que "já passei por más experiências que não desejo ao meu pior inimigo”.
Sorri ao ouvir aquilo.
Sorri, não de felicidade. Sorri, confesso, de uma leve ironia. Não é que não respeite o sofrimento que ela alega ter passado (e que eu não faço ideia de qual a especificidade contextual que o despoletou). Qualquer sofrimento merece o seu respeito.
A minha falta de apreço pela afirmação deve-se ao facto de ela provir de alguém cujo comportamento é incompatível com o conteúdo das palavras que proferiu. Alguém que não age na maioria das vezes com conscienciosidade social não revela grande respeito pelos outros. Alguém que interrompe sistematicamente conversas recorrendo a um maior número de décibeis, arrisca-se a decapitar a reputação silenciosa que lhe tenho confiado até àquele momento. Alguém que claramente avança e pára em frente a outra pessoa que já lá estava, dando-lhe o privilégio de ver as suas costas ao pormenor, desilude qualquer vítima (oh, quantas vezes isso se vê em grupos que dançam nos bares e que de repente se fecham à frente dos outros num abrir e fechar de olhos, e oh, que costas lindas, e oh, quantas vezes se dá um passo em frente para a reinserção, e oh, o fenómeno volta a ocorrer momentos mais tarde, e oh, há sempre um pequeno grupo fixo de pessoas a quem isto nunca acontece, e oh, isto não ocorre apenas debaixo de tectos musicais, e oh, o que estará a pessoa prejudicada a pensar nesses precisos momentos?).
Sobrevalorizam-se as pessoas que se manifestam exaustivamente. As que se auto-promovem sem fundamento aparente. As socialmente atenciosas e simpáticas (o reforço pode espreitar a qualquer esquina, não é verdade?). As que adquirem o sorriso plástico pronto a ser exibido em qualquer ocasião. As que retiram esse mesmo sorriso quando já não está por perto alguém a quem lhes interessa passar a imagem de que conhecem metade dos habitantes deste mundo. As que absorvem ilegitimamente as atenções. As que fazem sentir que os outros são um marasmo. As que manipulam as actividades ao sabor dos seus caprichos. As que vêem as suas vontades efémeras serem temporariamente saciadas pelos outros. As visivelmente dinâmicas. Seja lá o que isso for. Independentementemente da produtividade oca que isso fornece ao mundo. Porque aparentemente o mundo não sobrevive sem espectáculo.

Como se estas palavras fossem mudar alguma coisa...

Como se a minha opinião silenciosa interessasse...

terça-feira, outubro 24, 2006

[81 / Self-Inflicted Sabotage]

Idealização
Seria uma apresentação rápida e simples. Não valia a pena haver pensamentos exagerados. Toda a preocupação mínima acerca dela deveria ser rotulada de excessiva, até porque o peso deste exercício de comunicação seria nulo na avaliação da cadeira.
Pouco tempo levou até se encontrar o material mais adequado para ser divulgado, indo de acordo com os padrões temáticos sugeridos pela docente.
Tinha sido fácil, em grupo, escrever todos os argumentos que dariam sentido às palavras proferidas pelo porta-voz do grupo; esse porta-voz que eu conheço como ninguém, de tantos anos viver dentro da sua pele. Perspicazmente se tinham apagado as pequenas lacunas que surgiam à medida que se confrontavam ideias entre os membros do grupo. Tudo estava pronto para ser divulgado aos cérebros que se encontrariam naquela precisa aula.
Entraria na aula sem pensar nos minutos iminentes nos quais teria todas as atenções dirigidas para mim. No momento indicado, levantar-me-ia da minha cadeira, iria para perto do quadro, mostraria o filme escolhido pelo grupo de trabalho, falaria calma e perceptivelmente para as pessoas, escolhendo as palavras indicadas, e não sentindo nervosismo. Responderia a possíveis perguntas formuladas pela docente. Voltaria ao meu lugar e sentar-me-ia, dando vez ao grupo seguinte.


Realidade
A componente teórica dessa aula prolongou-se para além do previsto, pelo que apenas os grupos que não escolheram programas de prevenção em saúde mental em formato electrónico os apresentariam nessa aula. O meu grupo, tal como já referi, tinha optado por um filme retirado da internet.
A minha apresentação passou automaticamente para a semana seguinte. Foi pena... Já estava mentalizado para fazer a apresentação nesse dia…
A semana passou.
Cheguei atrasado à aula. Quando surgiu o momento de ir apresentar, não encontrava no meu caderno os argumentos redigidos. Uma colega do grupo perguntou-me se preferia levar o caderno dela (aberto prontamente na página em que ela os tinha escrito). Não me iria sentir confortável por ter de decifrar as palavras da caligrafia dela (não é que fosse uma caligrafia discrepante da minha, mas seria necessário debruçar-me durante mais tempo sobre o caderno dela em plena apresentação) e a disposição com que espalhou as frases.
Outro grupo ofereceu-se para apresentar o seu trabalho nesta vaga temporal. Pude então procurar menos sofregamente pelas páginas do meu caderno o precioso conteúdo que parecia ser invisível nesse momento. Encontrei o que queria. Esperei pela minha vez, caindo no erro de focar a minha atenção na apresentação do grupo actual.
Surgiu o momento de me levantar e ir para perto do quadro. O nosso pequeno filme sobre prevenção da violência doméstica foi divulgado. Teve boa aceitação por parte de quem o viu dentro daquelas quatro paredes. Houve mesmo suspiros de indignação face às estatísticas brutais que eram apresentadas.
O filme termina. A minha comunicação inicia-se.
Que discrepância... Rapidamente me apercebo que me começo a afundar nas palavras erradas com que começo as frases. Não me consigo lembrar dos argumentos que tinha escrito no caderno (algo que naturalmente ocorre a qualquer pessoa que não relê, ao fim de uma semana, as palavras que era suposto ter praticamente decorado e exercitado previamente). O nervosismo é evidente. Passo a ser o actor numa peça de teatro em que o público fica com a sensação de que ele não estudou convenientemente o seu papel. Os holofotes iluminam-no. O início da frase é proferida. Surge uma pausa inesperada. O silêncio põe a descoberto a expectativa do público face às palavras do desamparado actor. Os meus olhos cravam-se no caderno. Tento ver rapidamente as palavras escritas. O ponto sussura-lhe as deixas, mas nem assim ele consegue improvisar. Precisa de ouvir as frases na sua totalidade. Limito-me a ler o que tenho escrito no caderno, inserindo pontualmente umas palavras diferentes. Fico com a sensação de que me repito, porque no início da apresentação divaguei, tentando dizer aquilo que me lembrava remotamente do que tinha escrito no caderno. O nervosismo do actor é bastante evidente para o público. A cena demora o seu tempo até acabar, mas o desejado final acaba por vir. Leio as palavras até ao fim. Não surgem perguntas da parte da docente: alívio sentido por mim, associado a um estranho sentimento de injusto facilitismo. O meu nervosismo deve ter sido tão notório que a docente preferiu não me questionar absolutamente nada acerca do modo como o meu grupo encontrou aquela informação. Foi o único grupo a não ser confrontado com questões.
Sentei-me no meu lugar acompanhado de uma sensação de falhanço.


Porque não consigo veicular oralmente as minhas ideias do mesmo modo que o faço através da escrita? Porque fico preso à noção de que tudo o que eu digo em directo está a ser avaliado pelo público? Porque sinto que é avaliado aquilo que digo, e a forma como o digo? Porque me sinto refém deste tipo de avaliação social? Porque não sou uma daquelas pessoas que fala com convicção inabalável em apresentações deste cariz?

quarta-feira, outubro 18, 2006

[80 / Possess Me Eternally, Miss]

Finalmente sinto a tua presença. O tempo passou sem que eu te pudesse reencontrar. Procurei-te afincadamente, mas fui impedida de te descobrir. A tua outra metade (sim, a negativa) barrou-me o caminho e impediu-te de regressar à superfície. Mas agora voltaste a mostrar a tua outra face. Trepaste incansavelmente. Faço uma vénia ao teu esforço heróico. Ao sucesso da tua sobrevivência. Encontrei-te e não quero voltar a perder-te.
Passou algum tempo desde a última vez que nos vimos. Deixa-me olhar-te de frente. Ver esses olhos que conheci tão bem. Ver a tua cara que me tem sido familiar nestes últimos anos. Reconheço essa imagem: está igual àquela a que me habituei. Quero tocar-te. Dar-te o abraço que não se vê mas apenas se sente. Não me vês mas sentes e agradeces a minha presença. Sinto-me grata por poder estar contigo de novo.
Quero ver-te na globalidade. Quero entrar no teu interior. Avaliar o teu estado mental. Deixas-me? Não me ouves. Vou fazê-lo na mesma. Serei uma legítima intrusa do teu íntimo. Sei que não te importas. Também estou consciente de que infelizmente não sou a primeira a fazê-lo. Vou aceder delicadamente ao teu cérebro.
Mas... Que negatividade brutal é esta? Que conteúdo mórbido é esse nos teus pensamentos? Que mazelas irreversíveis apresentas? Por que razão estás diferente? Os teus níveis de libertação de neurotransmissores estão diferentes... O teu cérebro está claramente bem desenvolvido nas secções responsáveis pelas emoções negativas. Elas têm sido notoriamente exercitadas recentemente durante a maior parte dos dias. Sim, estão preparadas para entrarem de novo em acção. O caminho está aberto para isso.
Porque me sinto preocupada apesar de estar presente? Presumo que a estabilidade da minha proximidade é ténue. Não, não pode ser. Não te quero voltar a perder. Tenho medo que desapareças por um tempo indeterminado e preocupante. O que despoletará o regresso forçado da minha ausência?
O abraço que te dou não é suficiente. Tento agarrar-te ferozmente. Encubro-te. Camuflo-te. Tenho-te seguro. Estou a proteger-te. Agradeço a parte dos teus mecanismos mentais que me têm ajudado nesta tarefa. Eles ampliam o meu alcance. Estou aqui. Quero continuar aqui. Precisas de mim. Deixas de pensar em sobrevivência quando sentes que estou a vigiar-te e a tocar-te. Procuras desesperadamente falar comigo. Queres-me como teu vínculo permanente.
Mas és escorregadio. Deslizarás pelas minhas mãos caso haja um abalo considerável. Voltarás a cair naquele buraco escuro, largo e profundo onde mora o desconsolo humano. Voltarás a estatelar-te. Quero evitar isso a todo o custo. A nova queda poderá ser fatal. Grito-te. Imploro-te que não me abandones. Aprisiono-te, mas as correntes são quebradiças. Tento desviar a tua atenção dos estímulos externos agressivos.
Que rudimentar é a minha intervenção... Apenas posso contar com a tua força interior e isso faz-me sentir impotente...
Envergonho-me da minha intermitência. Sinto culpa de cada vez que te vês forçado a seguir os trilhos que não queres pisar. Ponho em causa a minha dignidade quando me apercebo que os teus medos se tornam reais, um a um, e te consomem lenta e dolorosamente...
Há tantos como tu... Não fazes ideia de quantos são ou quão próximos de ti estão... Tantos os que gritam pela minha presença mas eu não os consigo resgatar...
Sinto-me ofuscada pela escuridão do terror que te quer envolver. É difícil travar os intermináveis combates. Somos forças antagónicas de igual envergadura. Continuo a lutar pelo reconhecimento global do meu nome. Este nome inalcançável para muitos...
Eu. Dificilmente eu: resiliência.

sábado, outubro 14, 2006

[79 / Weak Connections]

Cada vez mais ponho em evidência mental os conceitos de “equifinalidade” e “multifinalidade”. Sim... Bertalanffy criou uma daquelas teorias que eu pensava que eram apenas para decorar, mas que acabou por se tornar involuntariamente numa ferramenta útil para a minha habitual avaliação do quotidiano: um pequeno mas importante desporto a que recorro. Uma actividade que pode ser muito perigosa e auto-destrutiva por vezes. Desconheço ainda as regras pela qual ela se rege.
Houve uma altura na minha vida em que comecei a pensar que talvez houvesse certos momentos em que as pessoas exagerassem aquilo que realmente sentiam. O motivo para o fazerem? Não o sabia. Ainda hoje não o sei. Cada qual terá as suas razões secretas para o fazer.
O que despoletou em mim esse pensamento foi um intercâmbio que tive com uma turma de uma escola secundária nacional. Na primeira fase dele, a minha turma foi morar durante três ou quatro dias nas casas dos alunos da outra turma. Repito: três ou quatro dias, numa cidade diferente e relativamente distante, em que as únicas caras familiares são as que se vêem sempre que as actividades lectivas englobavam as duas turmas. Após esse tempo, cada um de nós estaria a cargo do aluno responsável por nos alojar.
Para mim esses dias foram extremamente desgastantes e deprimentes. Ansiava pelo regresso a casa, onde me esperava o conforto da rotina que gostava de ter na altura. O mesmo não se passou com outras pessoas da turma. Ao fim desses três ou quatro dias, alguns deles tiveram a necessidade de mostrar ao mundo as lágrimas que a despedida lhes trazia.
Acredito que talvez num ou noutro caso as lágrimas se tenham devido a paixões fracas que a distância se encarregaria de dissolver mais tarde. Repito: num ou noutro caso. Não na maioria dos casos. Então porquê de tudo isto? Porquê fingir uma ligação forte inexistente? Não havia ali alívio por se voltar a casa? Todos nós sabíamos que não nasceriam grandes frutos daquela experiência.
Que razões pessoais levaram àquela equifinalidade: vários motivos levaram ao mesmo resultado de choro e tristeza superficial.
Porque está disseminado este fenómeno? Não me refiro a casos de intercâmbio, mas sim à superficialidade de certos comportamentos. Por que razão o repetimos em variados contextos?

segunda-feira, outubro 09, 2006

[78 / Statistics]

Durante um banho, ao som de música que pode ser considerada pesada (não vejo nada de pesado em letras negras e realistas):

- percentagem de pensamentos positivos: 5%.
- percentagem de pensamentos negativos: 95%.

sexta-feira, outubro 06, 2006

[77 / The Grip]

Naquela manhã que nunca mais será alcançada por qualquer um de nós, ele acabava de chegar à cidade.
Não ligou a quem estava à sua volta. Não quis saber que trajectos percorriam os outros, nem se interessou pelos motivos que os levavam também a pisar as pedras daquela praça de grandes dimensões.
À medida que ia caminhando com uma expressão neutra (talvez contemplativa, abdicando das expectativas que raramente se afiguravam realistas pela positiva), o seu olhar fixou-se num relógio gravado na parede de uma das várias fachadas altas. Era um daqueles que obrigam o cérebro a identificar a posição dos ponteiros e traduzir a especificidade do seu ângulo em números. É uma tradução que faz com os seres humanos se sintam mais confortáveis, dado que assim pensam conseguir controlar melhor a sua rotina. Mas a rotina de um ser biológico vivo é efémera. Todos nós chegaremos a essa conclusão mais cedo ou mais tarde.
Ele fez a tradução. Memorizou a informação que decifrou. Olhou para o seu relógio analógico. A hora deveria condizer. Não lhe interessava. Preferia os pensamentos que o absorviam interiormente. Começava a desprender-se da negatividade que a conscienciosidade pode trazer por vezes.
Subitamente decidiu ceder ao pensamento que lhe dizia para continuar.

Oh, que discrepância rapaz… As pessoas que tenham olhado para ti devem ter avistado o sorriso esboçado nessa face. Mas será que viram a vivacidade daquele olhar que indica que naquele preciso momento carregavas em ti a maior convicção que o mundo alguma vez vira?

domingo, setembro 03, 2006

[75 / A Lição]

Hi Alanis. I know this is my second entry, but I really want you to take a look at this picture.
I found it a few years ago in my Psychology book and I fell in love with it.The picture was taken by an artist called Ana Esquível. The title of the picture is "A Lição" (The Lesson).
I think this picture portrays in an excellent way the whole process of socialization or the introduction to this unchosen heritage: culture.
The girl seems to be such a rebel and fresh human being. The old man is the one who possesses the popular wisdom and he is teaching a part of it to the girl. Therefore, the girl's rebelness is being silently tamed. A slow and effective brainwash that will have positive and negative consequences: the girl will be given the chance to fit in her culture, but at the same time her thoughts will also be "contaminated" by ethnocentrism.

João Gil Martins
Portugal

domingo, agosto 27, 2006

[74 / Yin / Yang]


This is one of my favourite photos. I'm addicted to experimental photography, so I always try to take some "borderline" pictures and post the selected ones on my personal fotolog. It somehow represents my openness to diversity and creativity, and I expect others to be open-minded as well.
I remember being really impressed when I just saw the preview of this picture I had just taken on my digital camera (it was taken that way; no software was used).
There's not really a rational reason for me to like it. The image speaks for itself. I like the visual content of it. I gave it the title [Yin / Yang].

João Gil Martins
Portugal

sexta-feira, agosto 25, 2006

[73 / About The Growth That Resilience Brings]

É gratificante olhar para trás e ver o túnel que nos fez crescer. Mas atravessá-lo custa tanto...

quinta-feira, agosto 10, 2006

[72 / To An Unknown Lover]

Numa noite em que o vento teime em permanecer ausente, e o calor se lembre de me agasalhar, irei a uma praia.
A escuridão não constitui problema porque a lua cheia serve-me de lanterna natural.
Avanço pelo areal, com passos lentos mas decididos, saboreando a beleza natural daquele momento mágico que a atmosfera me proporciona. Sento-me. Fico atraído pela conjugação estonteante do calor nocturno, ar estático com fluidez invisível, ausência de sons incómodos, imobilidade da massa líquida a que as pessoas chamam de “oceano” (nem uma única onda, naquilo a que eu poderia denominar de “lago oceânico”). A água, sim, a água; esse manto negro (sempre foste um camaleão fiel ao céu cuja cor reflectes) que silenciosamente abriga seres vivos cuja visão do mundo em nada se assemelha à dos que vivem acima da superfície. Não iria certamente reparar em nenhum deles numa noite tão mágica como esta. A minha atenção seria exclusivamente focal; era tempo de abdicar da atenção difusa que iria perturbar este momento único. Todas as distracções seriam postas de parte.
Neste exercício de concentração retomo a essência de quem sou e esqueço todas as bárbaras provas a que fui submetido ao longo da vida, cujo objectivo (explícito ou implícito) se traduz em derrubar a crença e o gosto na maturidade intra e interpessoal. Sinto-me preparado para a purificação.
Levanto-me e continuo a seguir o caminho que tinha sido interrompido para poder apreciar dignamente a Natureza que compõe aquela praia. Fortaleço-me a cada passo, mas o processo não está ainda completo. Paro no momento oportuno. Prestes a atravessar a fronteira. Um pequeno passo. Transponho-a. Não sinto nenhuma diferença de temperatura quando a minha pele humedece. Nesse preciso momento começo a ouvir uma música sublime. Quem a conhecesse diria “Where It Belongs – Nine Inch Nails”.
Não contenho a força da emoção. Uma lágrima deverá cair nesse preciso momento. A verticalidade da gravidade delimita o seu breve percurso, fazendo com que se misture com a água salgada que os meus sapatos pisam. É uma lágrima que agora pertence à vastidão líquida que tanto nos dá vida como também nos afoga. Fico feliz por dar o meu contributo orgânico à Natureza. Uma parte de mim subsiste agora na deriva tranquila da água que percorre os cantos do mundo.
É a hora. Avanço novamente. Embrenho-me lentamente na água. A roupa que visto começa a adquirir uma tonalidade mais escura à medida que é molhada. Afasta-se do meu corpo. Volta a acariciar-me. Gosto da vida que parece ter.
Abdico das desilusões a cada centímetro submerso do meu corpo. Lavo-me da banalidade. Decapito as memórias de maltrato, quer por via da negligência quer por via do abuso psicológico. Derrubo as vulnerabilidades que me fizeram refém após uma infância deliciosa. Apago as frustrações de não alcançar aquilo que eu poderia ter sido.
Tudo é absorvido e aniquilado com mestria pelo oceano. Vou dando voz à pessoa que sempre quis expor.
Pouco falta até ter a ponta do meu último cabelo seco rodeada de H2O. Em dois segundos ela afunda-se juntamente com o resto do corpo que ele incorpora. A música passa a ser ouvida esbatidamente. Sinto o abraço que simbolicamente dou a mim mesmo. Tenho uma experiência de ponto máximo que apenas é testemunhada pelos organismos subaquáticos que por acaso lá se encontram. A purificação surge.
Os pulmões pedem-me que lhes devolva o oxigénio. Encontro-me em estado de transição; este momento libertador não pode durar muito tempo. Forçosamente dou ímpeto ao impulso de estender as pernas e voltar a posicionar a boca à superfície. Sinto-me grato pela inspiração. Coloco a face acima do nível da água. Volto a ouvir a música em perfeitas condições.
Regresso purificadamente ao areal e ao mundo oxigenado de onde pertenço.
Vejo-te à minha espera. Sento-me ao teu lado após me ter embrulhado na toalha que me ofereces. Ficamos os dois parados a contemplar a beleza daquele momento que não queremos desperdiçar. Observamos a passagem fugaz de várias estrelas cadentes. O tempo passa indeterminadamente enquanto pensamos na presença constante um do outro. Deixo de apresentar vestígios de humidade. Encostamos as nossas testas e inspiramos ao mesmo tempo que sorrimos de olhos fechados. A música cessa. Os nossos ouvidos captam o som ténue da nossa respiração sincronizada. Sozinhos naquele mundo que é só nosso. Juntos numa cumplicidade que o mundo alguma vez vira.
Segredas-me ao ouvido as palavras mais belas que alguma vez ouvi. Levantamo-nos e contemplamos os nossos olhares. Sinto o toque quente dos teus dedos e unimos as mãos. Os meus polegares afagam as costas das tuas mãos. A música regressa.
Ficamos com o olhar estático, lendo a pureza interior que ambos recebemos. Inspiro a tua expiração próxima. Expiro o ar que é inspirado por ti. A distância física reduz-se. As faces tocam-se ao nível dos lábios. A distância parece continuar a ser esmagadora, pelo que nos aproximamos ainda mais. O beijo é intenso. O abraço permanente que tinha dado a mim mesmo anteriormente torna-se ainda mais forte quando sinto o teu. Sentes exactamente o mesmo quanto ao meu gesto recíproco.
Mantém-se o beijo avassalador debaixo da cumplicidade do luar e do crepitar silencioso das estrelas incandescentes. Separamos as bocas enquanto mantemos o olhar fixo em nós.
Ambos ouvimos um pequeno baque previsível. Sabemos o que está a acontecer.
O pensamento começa a divulgar a uma velocidade estonteante todas as memórias adquiridas ao longo de uma vida. Percebo que o mesmo se passa contigo. É o momento de nos despedirmos daquilo que fomos. Começam a escassear as identidades de todos aqueles que interagiram connosco previamente. São demolidas todas as pontes que nos levem a pensar em terceiros. Não há qualquer tipo de apreensão pela aquisição desta amnésia selectiva. A redenção espera-nos. Os nossos olhares cruzados mantêm-se tranquilos. Somos só tu e eu.
As luzes da civilização começam a afastar-se apesar de permanecermos imóveis. A felicidade invade-nos. Estamos a alcançar a grandeza que desejávamos. Temos uma área grande de solo que nos quer acompanhar.
Quanto tempo levaria até a novidade ser descoberta por um transeunte? Quanto tempo iriam durar as buscas infrutíferas de nós? Isso não é relevante neste momento.
Voltamos a abraçar-nos, orgulhosos por podermos ter todo o tempo que quisermos para exercitarmos a nossa intimidade.
É esta a beleza da derradeira noite em que da costa portuguesa se desprende um pedaço considerável de terreno; ilha à deriva legitimamente usufruída por dois seres humanos que subsistem com a sua presença mútua. A noite em que um novo país secreto se forma, habitado por duas pessoas apaixonadas.

Falta-me a dura parte: ser encontrado. Por onde vagueias?

sexta-feira, agosto 04, 2006

[71 / Unselected Text!]

O meu texto não integra a miríade seleccionada pela Alanis Morissette.
Todos os meses ela escolhe um tema e pede às pessoas para que lhe escrevam acerca desse tema. Como é hábito, a beleza do seu interior faz com que ela aborde perspicazmente assuntos que façam com que as pessoas falem de coisas bastante pessoais.
Senti-me impelido a ir de encontro ao apelo de Julho, cujo tema é "What was one of your biggest turning points in your life - and did you have a revelation from it?".
Algumas das histórias que ela recebeu foram publicadas aqui, na secção Thank U do site dela.

P.S. - O desafio de Agosto pede para enviarmos a nossa foto preferida e explicar o porquê da nossa escolha. ;)

terça-feira, agosto 01, 2006

[70 / Dear John]

Poucas horas faltam para abandonares definitivamente a idade de ouro.
Vais passá-las estupidamente a dormir. Bem sei que já não há privilégios relevantes adquiridos quando se alcança/ultrapassa o vigésimo segundo ano de vida, mas é algo a que terás de te habituar.
Uma vez mais vais querer acordar momentos antes das oito da manhã para te veres ao espelho e imaginares a sala do hospital onde há anos atrás foste confrontado pela primeira vez com a luz solar. Sala essa que os teus pais já não sabem identificar; apenas sabem indicar o corredor. Talvez nunca chegarás a saber ao certo que paredes testemunharam o teu nascimento.
É interessante fazeres a retrospectiva de uma jovem vida durante breves minutos. Analisares o percurso com trilhos ambiguamente decadentes e sublimes que foste forçado a percorrer. Veres o reflexo do teu aspecto físico e conversares mentalmente com a pessoa que os teus olhos observam. Chamares a criança feliz que houve em ti e confrontá-la com o resultado final de uma viagem ao mundo subterrâneo da condição humana. Ambos estranhamente donos do mesmo corpo… Mas irreconhecíveis interiormente.
É tarde para te salvar do teu passado. Será tarde para o meu eu futuro me salvar do meu futuro próximo. As máquinas do tempo ainda não estão disponíveis, nem acredito que algum dia estarão, senão já teríamos sido abordados pelos nossos descendentes. Gostava de te ter podido ajudar quando precisaste, João. Tenho a certeza que o meu eu futuro dirá o mesmo quanto à avalanche de acontecimentos que eu ainda não sei que irão ocorrer.
Não gostei de ver o teu estado nestes últimos dias; parecias disposto a abandonares-te. Não voltes a descer essa gruta. Ainda te vejo a colmatar as fendas do terramoto que te assolou recentemente.
Tenta cimentar as tuas crenças com as ferramentas que possuis. Só assim conseguirás manter a sanidade mental.
Espero ver-te com mais confiança daqui a um ano. Gostava de te assegurar de que poderás estar tranquilo acerca do teu mundo externo, mas isso é-me impossível de controlar.
Desejo-te os mais felizes dos acasos.
Despeço-me aqui, João.
Um abraço.

terça-feira, julho 25, 2006

[69 / Texto Seleccionado?]

Probably the biggest turning point in my life happened when I played a game (Wip3out). I felt I was being given the privilege of getting a glimpse of what our future should be like. Although the game doesn’t really have a plot (in fact it is a mere racing game), I got mesmerized with the concept of it: the futuristic design, the quality sound of it, the amazing atmosphere that the screenshots portray and, especially, the hope in technology as a big help for human beings. It really made me get an astonishing insight. Suddenly, all I wanted was to become a person who would perfectly fit into that advanced world. Probably it was a bit illusive, but I started selecting all my new clothes in order to wear futuristic stuff. It was definitely an hard task…
I had a revelation from it because beyond the fascination with the game, I started analyzing the world in a different way: people seemed to be happy by just following everyone else’s steps. It became clear to me that almost no one dares to achieve success in the creativity field.
I was getting filled with innovative ideas in several areas; one of them is music. I started composing electronic songs (as well as the corresponding videos) in my mind and I really wanted to get an idea of how to bring those songs into reality… Those were songs which wouldn’t fit any genre I’ve ever heard before.
I wanted to spread my insight, so maybe I could trigger independent creativity on someone else’s mind. I felt the urge of being seen as someone who was no longer belonging to the grey crowd.
As our face is our own “busyness card”, I found it to be the perfect place to show what’s on my mind, so I started drawing futuristic design on my face.
A few weeks later I realized that my transparency wasn’t really welcome in my social background (or should I say that I tasted the corrosive flavour of social coercion?). I went back to my cocoon and stayed there for months.
Today I’m a grey guy in the crowd, who still loves to experience freedom in the form of innovative thoughts; the mind became my favourite playground.
Currently I’m studying Psychology at the university and I like to take experimental pictures.
But one thing is certain: if one day I get the chance to be taught all the tricks of how to create quality electronic music, I’ll follow that dream.
After all I’ve learnt that people only get the legitimacy of being a bit eccentric/visionary when they become famous…

João Gil Martins
Portugal

segunda-feira, julho 24, 2006

[68 / Screwing A Group Up]

Para o observador externo, um grupo parecer-lhe-á sempre mais coeso do que ele é na realidade. A partir do momento em que se tornasse um membro atento, iria notar rapidamente que a sua constatação estaria errada.
Iria deparar-se com as resistências pessoais que cada membro tem para com as tomadas de decisão grupais. Iria constatar que há reservas nas palavras que um elemento diz a outro, de modo a camuflar a globalidade da sua opinião acerca deste.
De fora, à distância da imperceptibilidade do conteúdo das palavras proferidas por cada membro, e por muito bem que o observador saiba ler os lábios mudos de alguém, a engrenagem parece estar a funcionar na perfeição, mas os actores sociais que integram a dinâmica grupal, são dotados de individualidade (para o bem e para o mal), estando mais aptos para assinalarem/assinarem as falhas existentes. Só cada um deles sabe como realmente percepciona determinados momentos vividos em comum. E é aí que podem surgir (e mais tarde intensificarem-se/auto-cumprirem-se) as distorções interpretativas.
Mas o que considero desastroso num grupo não é tanto isso. Só tem distorções interpretativas quem não possui tacto, e isso só depende de cada um.
O veneno num grupo envolve os conceitos científicos de ingroup e outgroup (mal sabiam os criadores desses conceitos, que um dia, um estudante de licenciatura, iria usar esses dois conceitos para explicar o fosso em que qualquer grupo se arrisca a cair).

Ingroup _ sentimento de pertença ao grupo
Outgroup _ os outros grupos que não o(s) do indivíduo

Ávidos de conseguirem melhorar a produtividade nas organizações, os responsáveis pela ascensão destes conceitos, referiram-se a eles tendo por base o grupo no seu todo. Mas e se os usarmos a um nível micro? Não conseguem explicar tão bem os problemas que se instalam numa interacção intra-grupal? Sou apologista do “sim!”.
Por exemplo, num determinado grupo em que as saídas são irregulares quanto à assiduidade dos seus membros, haverá certamente momentos em que todos os elementos se encontrem, mas devido à incompatibilidade de horários/vontades, haverá outros tantos momentos nos quais apenas metade (ou menos que isso) dos indivíduos se encontrem. São estes últimos que potenciam a possibilidade de se tentarem criar micro ingroups : os membros que estão em interacção (seja numa díade ou numa tríade) podem tentar valorizar a sua cumplicidade, recorrendo à análise crítica negativa face aos atributos de outros elementos ausentes. Deste modo, favorece-se um novo ingroup de dimensões mais reduzidas, fazendo com que os outros elementos do grupo sejam vistos como outgroup. A partir desse momento, é difícil travar a avalanche crítica. Mas é um esforço a que todos os membros se devem submeter caso queiram evitar a tensão no grupo.

terça-feira, julho 11, 2006

[67 / Massive Attack]

Há poucas horas estava eu no Coliseu do Porto a ver os Massive Attack.
Se houver próxima vez, espero estar na primeira fila (tal como aconteceu há três anos).

Momento alto do concerto de 2003: Teardrop.
Momentos altos do concerto de 2006: Angel + ver o Daddy G passar inesperadamente ao meu lado enquanto estava na fila para adquirir os bilhetes.

[66 / Eyes Shut (or) The Fit Pieces Of A Puzzle]

É estranho apercebermo-nos que algumas pessoas conseguem construir uma visão distorcida acerca dos outros e depois agem em função da ilusão que teimam em ver. (Sim, é verdade que não sou manifestamente
É uma falsa clarividência que conduz a diversos erros e pode trazer variadas consequências... _humilde. Nem serei, porque nunca vi ninguém
Realmente, o que vemos ao espelho não é exactamente o mesmo que os outros vêem em nós. ____sentado na mesma pedra onde eu estive e
E as coisas complicam-se profundamente quando se faz a mesma comparação, mas a nível de personalidade. ___poderei estar novamente.
Aí os tiros no escuro raramente acertam no alvo. _____Para quando está
Há que intervir-se neste tipo de processos antes que seja tarde demais.
E certos pensamentos não devem nunca ser transmitidos para o exterior. agendada a construção de uma ponte segura para esta ilha que
Cresce a olhos vistos esta cumplicidade para comigo mesmo.eu sou? Será
O interno é realmente uma dádiva. _____ uma ponte que une duas ilhas
Torna-se o meu recreio favorito. _________ mutuamente interessadas?)

segunda-feira, julho 03, 2006

[65 / Locked Folder]

Por vezes gostava de ter acesso a uma hipotética lista que incluísse bastante informação acerca de todas as pessoas que já se sentiram atraídas por mim.
Provavelmente iria ficar surpreendido com o seu reduzido número de páginas. Ou talvez por outro lado ficasse impressionado com alguns dos nomes que nela constassem...

Why is it so hard to read everybody's emotional intentions?

sexta-feira, junho 30, 2006

[64 / Looking To The Outside]

Dois textos de leitura crucial, acerca das "almas gémeas": este e este.
Gostei particularmente do apelo implícito que faz a cada um de nós: termos a noção de que numa relação somos respeitados (mesmo pelos nossos defeitos), logo não se devem exigir características impossíveis à outra pessoa.

quinta-feira, junho 29, 2006

[63 / Reincarnation]

Depois de um bom filme fico sempre com aquela sensação estranha de que sou forçado a voltar a viver a minha vida. Uma vida que não tem nada de fascinante quando comparada ao magnetismo daquelas que observei. É sempre a pior parte de qualquer bom filme.
Sentir-me tocado pela história que decorre em frente aos meus olhos e esquecer por minutos a pessoa que sou, o local onde me encontro, as fraquezas e qualidades que possuo, ...
O impacto do regresso a mim é fortíssimo.

segunda-feira, junho 19, 2006

[60 / “I’m So Sorry”]

Dia 1
O dia parecia ter chegado ao fim, mas ele não sabia o que o esperava nos minutos finais.
Desconhecia que naquela noite ele iria experienciar o verdadeiro poder de um chat.
Assim foi. No decorrer da conversa, não só sentiu atracção física pela imagem que recebeu, como também se sentiu intrigado por saber que ambos estudavam no mesmo estabelecimento de ensino. Apesar de tudo, a verdade é que esse estabelecimento comportava milhares de estudantes, sendo natural que nem ele nem ela se reconheceram.
Começaram a encontrar pequenas diferenças; acharam piada a outras semelhanças; quiseram continuar a conversa no dia seguinte.

Dia 2
A meio da conversa que lhes estava a permitir conhecer mais pormenores sobre cada um deles, ela irrompe com a frase “ontem estive a pensar e acho que te tenho de contar a verdade, senão depois arrependo-me”.
Ele ficou curioso e perguntou-lhe o que é que ela lhe tinha para contar. A desilusão veio no formato de uma simples frase. Todas as fotos que ele tinha visto até àquele momento, não eram dela. A partir daquele momento deixou de fazer sentido para ele continuar a fazer o esforço de ignorar as diferenças entre eles e focar-se apenas nas semelhanças. Era como se todas as pequenas contariedades de que ele se tinha apercebido até ali, de repente se tornassem demasiado extensas e impossíveis de remendar. Seria um esforço em vão. Não sentia a mínima atracção pela pessoa exposta na nova foto.
Apesar do desenrolar da conversa, ele nunca chegou a perceber realmente o porquê de ela ter usado fotos de uma amiga que vive no estrangeiro.

sexta-feira, junho 16, 2006

[59 / Redefinitions Of A Little Part Of Our Reality]

Trauma:
estar-se no local errado à hora errada.

Profissional:
alguém cuja média de aprovação se situa acima dos 9,5 e abaixo dos 20 valores.
(Assim se conclui que não há nenhum profissional que tenha o mérito de saber todos os pormenores relativos à sua profissão; houve sempre algo de incompleto no seu conhecimento, por muito bom profissional que o indivíduo seja.)

Desespero:
emoção corrosiva provocada pela confrontação com adversidades colossais.

Relaxamento:
arte a que as sociedades modernas se têm vindo a desabituar.

Resiliência:
algo a que darei sempre as boas-vindas e que espero que nunca me venha a abandonar.

quarta-feira, junho 07, 2006

[58 / Untouchable Design]

Antes de entrarmos não sabemos com que tipo de arte nos vamos confrontar. Pode ser desde a pintura abstracta e impossível de descodificar, até à arquitectura de um molde humano que se encaixa perfeitamente na nossa silhueta.
Os títulos alusivos à exposição são sempre vagos. É preciso pagar bilhete e arriscar presenciar o espectáculo sonoro e visual. Passar as portas da selectividade subjectiva. Deixar passar o tempo.

Desta vez, para além da boa música, também houve exposição clandestina de autênticas peças de design. Divinamente dotadas de um sistema nervoso que lhes confere distintividade e autonomia.
Mas as peças são raras e caras. Não são produzidas em série. Nem estão ao alcance de qualquer um. Intocáveis. Apenas observáveis a uma distância razoável. O deleite é visual.
Gostei de ser espectador, mas talvez no dia em que contratar o álcool para ser o meu gestor de recursos emocionais e comportamentais, sairei da exposição com a certeza de que adquiri uma dessas peças minimalistas, cujo conteúdo não me desiludirá.

sábado, junho 03, 2006

[57 / A Twist In The Particular Final Moment]

Há dias em que pensamos que nada de relevante irá acontecer nos seus minutos finais, a tal ponto que sabemos já que título escolheríamos para resumir o que aconteceu durante o intervalo de tempo em que permanecemos acordados.
Só que esses minutos finais ainda não terminaram. É por isso que nos sentimos completamente desprevenidos para com notícias inesperadas de última hora (ou será de "último minuto do dia"?) que mudarão irreversivelmente as nossas atitudes no futuro...

"This time I'm gonna keep me all to myself" (Björk _ "Pagan Poetry")

quarta-feira, maio 24, 2006

[56 / Cat’s Negativity]

Mas nem tudo foi brilhante. Pelo menos isso foi explícito nos minutos finais do Enterro.
Já tinha nascido o sol. Saí acompanhado de uma amiga de curso, só que houve uma altura em que ela teve de atravessar uma estrada para seguir em direcção ao prédio dela, e eu mantive-me no passeio onde caminhava. À medida que ia reduzindo a distância que me separava de casa, vi que à minha frente seguiam várias pessoas: três rapazes a poucos passos à minha frente e outras pessoas bastante mais avançadas no caminho.
Como estava a andar a um passo mais acelerado que os três rapazes, é natural que os tenha ultrapassado naquela rua com árvores que separa a Universidade do Minho do recinto do Enterro.
Segundos depois constatei que um desses rapazes estava já a caminhar à minha frente. Foi nesse momento que senti um abraço. O meu primeiro pensamento era de que estava a ser abraçado por alguém que me conhece, mas à medida que inclinei a cabeça para olhar para trás, ouvi uma voz masculina irreconhecível. As palavras proferidas pela voz foram “passa”, “para”, “cá”, “a” e “carteira”.
Tornou-se claro. Estava a ser roubado pelo grupo que há segundos atrás tinha ultrapassado.
O abraço nunca o foi. Traduziu-se numa técnica que reduzia a minha mobilidade. Enquanto me debatia, o terceiro elemento retirou-me agilmente a carteira do bolso. Notava-se que havia hábito naqueles gestos. Ainda não tinha começado a dizer que tinha gasto todo o meu dinheiro nas barracas do recinto e já a minha carteira estava aberta, com dois dedos a vasculhar por entre os papéis que lá estavam depositados.
Eles perguntaram pelo dinheiro. E eu continuava a responder que queria a MINHA carteira e que gastei o dinheiro todo nas barracas. Agitava-me de modo a tentar chegar perto dela, mas não conseguia tocar-lhe.
Houve um truque (não intencional) que jogou a meu favor. Não o vou revelar porque não faço ideia de quem algum dia poderá ler estas linhas.
O rapaz que segurava na carteira e procurava pelo dinheiro desistiu de o fazer e devolveu-ma. O rapaz que inicialmente vi a ultrapassar-me nunca me tocou. O rapaz que me tinha agarrado estava agora a dizer-me “Então quero o telemóvel.”.
Levei a mão ao bolso e fiz força para não deixar entrar a mão intrusa.
O revisor da carteira limitou-se a dizer “Deixa-o ir.”. Apesar desta frase mágica, o terceiro elemento não obedeceu e continuava a forçar o meu bolso. Ele estava a ficar para trás porque os outros dois já seguiam caminho à minha frente. Desistiu, não sem antes me tocar com o punho semi-fechado pelo queixo e dizer “Põe-te fino.”.
Passei instantaneamente para o outro lado da estrada e senti-me ridículo por caminhar paralelamente a eles naquela estrada. Dei meia volta e decidi tomar o percurso existente dentro das fronteiras da universidade.
Quando tive oportunidade, olhei para a estrada para tentar memorizar aquelas três caras, só que nunca mais as vi…


E agora pergunto-me: com que legitimidade alguém comete um acto destes? Que frieza tiveram de adquirir para fazer disto um estilo de vida? Não têm noção do impacto que poderiam ter provocado caso eu tivesse maior vulnerabilidade? O que teria acontecido se tivessem escolhido alguém altamente vulnerável? A partir de que momento se deu a viragem entre a fase em que viam os ladrões como pessoas más (certamente já possuíram um dia esta opinião de quem rouba, nem que seja nos tempos de infância em que viam desenhos animados) e o momento em que se dedicaram ao primeiro roubo? O que os leva a ingressar numa actividade tão desprovida de honra e prestígio?
Uma tremenda falta de respeito pelas histórias de vida/sonhos/objectivos/fraquezas/ilusões de quem abordam…

terça-feira, maio 23, 2006

[55 / Cat’s Positivity]

A curva de esquecimento é mesmo inevitável…
Após cada longa noite de Enterro da Gata, acordava e ficava a pensar em todos os pequenos episódios que vivenciei no interior do recinto. Cada um desses episódios fazia com que eu ficasse a sorrir como um parvinho. Eram tantos os sorrisos!...
Hoje tenho a sensação de que notoriamente grande parte desses sorrisos já não existe porque a minha capacidade de evocação acerca dessas fantásticas noites já está numa fase de deterioração. É claro que para este fenómeno de esquecimento, também deve ter contribuído o episódio negativo final (que certamente deve ter ofuscado a evocação de vários episódios positivos, mas isso é outra história que só será englobada no próximo post).
Ainda há fragmentos divertidos memorizados.

fazerem inúmeras propostas de pagamento de bebidas a preços absurdamente baratos
eu próprio tentar pedir shots grátis numa outra barraca, dizendo à rapariga que estava por trás do balcão que eu gostava da maneira como ela se vestia
ter duas irmãs gémeas a suplicarem por dois shots a vinte e cinco cêntimos cada, acabando por serem brindadas com dois shots que incluíam vodka e (muita) cola, para além da cómica troca de frases: “Vocês nunca na vida serão psicólogas!” / “Pois não. Vamos ser economistas!”
uma finalista com uma camisola de curso a dizer “Psicologia Clínica” vem ter comigo à barraca e pede um dos já tradicionais shots a preço de água. Nunca a tinha visto na vida. Disse-lhe que o preço tinha de ser o que estava exposto na tabela. Ela rematou: “Mas eu tirei Psicologia Clínica!!! Não é como vocês, que cá só tiram Psicologia geral! A minha licenciatura é em Psicologia Clínica!! Tu devias ter inveja da minha licenciatura!”. A minha resposta: “Ai é? E onde é que tiraste a licenciatura?”. Ela disse: “Na Gandra!”. Naquele momento, se eu tivesse uma folha a dizer “LOLOLOLOL!”, tinha-a colado certamente na minha testa. Ou talvez mesmo uma das gotas que tenho no meu estojo, feitas em cartolina, para imitar de vez em quando as personagens dos desenhos animados japoneses quando alguém diz uma enorme bacorada. Mas naquela barraca as únicas gotas que eventualmente surgiam eram as que se entornavam dos copos e garrafas com álcool. Limitei-me a explicar-lhe que a Universidade do Minho oferece a melhor licenciatura em Psicologia no país
a minha primeira experiência de tirar um fino foi completamente ridícula. Limitei-me a despejar a cerveja no copo, esquecendo-me de rodar o copo. O resultado é previsível: um copo com muita espuma e pouca cerveja
a primeira vez que me pediram uma bebida menos habitual também foi igualmente inédita. Pediram-me um gin tónico. Peguei num copo, pus gelo e enchi o copo só com gin. O “cliente” aprovou a bebida com satisfação: “Olha. Isto está espectacular!! Só falta uma coisa… Agora põe só um bocadinho de água tónica.”(Acho que é para este tipo de experiências que servem os primeiros turnos de cada pessoa que trabalhou na barraca de Psicologia)
começar a ignorar pedidos de shots grátis, dançando para debaixo do balcão, constatando no entanto que quem queria as "promoções" não se importava de debruçar-se para conseguir continuar a persuadir-me
oferecer um “Psi” (Ψ) do tecto da barraca porque me pediram uma lembrança de Psicologia do Enterro 2006
...aplaudir o facto de a minha amiga Vera ser finalista em Sociologia. Foi um aplauso de parabéns completamente sincero. A recompensa que obtive foi um reconfortante abraço apertado e caloroso que representa a cumplicidade que temos tido desde o nosso tempo de "caloiritos". Para além do abraço, também foi notório que houve a presença de lágrimas femininas pelo facto de este ter sido o último Enterro da Gata da minha antiga geração de sociólogos... (Eu continuarei por cá, Vera... Pelo menos mais um ano.)
ouvir falar de vez em quando do meu profile do Hi5 e do meu blog (A Diana e a Marlene queriam que eu falasse delas aqui, por isso aqui têm o vosso tempo de antena… Hehehe!)
sentir que estava em frente a uma rapariga simpática que me fazia lembrar a Alanis Morissette e que acabou por beber Kalashnikovs sem limão com os amigos
não ter vontade de abandonar o meu turno na noite final quando me apercebi que apenas me restavam dez minutos de trabalho diversão dentro de uma barraca...
...poucos minutos após ter posto a tocar o cd que levei para a barraca com a intenção de ter o privilégio de conhecer as músicas que ouvia enquanto trabalhava, um rapaz apareceu por lá e disse-me: "Parabéns! Acabou de tocar aqui a melhor música de todas as barracas! Continua a pôr na música um desse cd!". Agradeci-lhe e disse que por acaso o cd era meu. Contudo nunca lhe disse que a música número um a que ele se referia, era de facto a música número dois daquele cd (naquela noite apeteceu-me começar com a segunda música)...

(Certamente há muitos mais episódios prestes a assolarem o meu pensamento, por isso nos próximos dias sou capaz de actualizar este post)

terça-feira, maio 16, 2006

[54 / Internal Battle]

O meu corpo tem sido um campo de batalha por parte de microrganismos.
Numa altura em que quase se avista o lado vencedor, fica a noção de que pelos menos três noites do Enterro da Gata já não voltam.
Vou viver a 200% os dias de festa que me restam.

terça-feira, maio 09, 2006

[53 / The Privilege Of Being Given The Chance To Experience A Rushed Heartbeat]

Habituamo-nos tanto à inexistência de relações interpessoais com estranhos que por muito que esse relacionamento seja desejado, simplesmente não encontramos meio de fazer com que ele surja.
No entanto, muitas das vivências que temos são partilhadas com algumas pessoas que por acaso nada nos transmitem. É um paradoxo. Sim. É. Somos forçados a falar com aqueles que pouco nos dizem e forçados a não estabelecer contacto com quem nos transmite uma imagem cativante, mas oficialmente distante. Não há nada que faça com que os nossos caminhos se cruzem e nos levem a ter uma troca de palavras espontânea.
É por isso que aceitamos com grande satisfação cada pequena oportunidade de ficarmos a conhecer mais pormenores sobre as pessoas que secretamente seleccionamos. É por isso que reconhecemos com maior rapidez aquelas faces. É por isso que nos sentimos mais agitados quando estamos em frente a essas faces. É por isso que pensamos nelas frequentemente. É por isso que não queremos acreditar que finalmente chegou o tão aguardado momento de sermos confrontados com a descoberta do profile de uma delas. É por isso que o coração bate descontroladamente quando nos apercebemos de que vamos ser brindados com a informação pessoal dessas pessoas. É por isso que não descansamos enquanto não devorarmos toda a informação que essas pessoas transmitem no profile. É por isso que temos a ânsia de ver/guardar todas as fotos adjacentes. É por isso que tentamos arranjar ideias para fazer com que essas pessoas também se apercebam de que nós próprios temos um profile pronto a ser lido.
É um abanão intenso.


Sentimos verdadeiramente o privilégio de nos conseguirmos "aproximar" daquelas pessoas especiais que infelizmente nos habituamos a ver de perto ao nível geográfico, mas de longe ao nível interactivo. De repente deixam de habitar o mundo dos nossos pensamentos para aparecerem sem aviso prévio no nosso ecrã.
Conseguimos, por momentos, sentir que deixaram de ser tão incógnitas. Aceder àquela imagem física que sempre quisemos ter à nossa frente a qualquer hora. Rever essas faces através de um ponto de vista incrivelmente próximo. Ouvir-lhes o fervilhar das ideias. Ver aquele olhar estático mas intenso a fixar o nosso. Tocar-lhes na pele a que agora temos acesso visual e intemporal. Sentir-lhes a respiração. Apreciar o beijo silencioso.
Tudo isto de uma forma virtual…

terça-feira, maio 02, 2006

[52 / By Request]

Devido à pertinenência de uma questão que me foi colocada num comment, aqui vai a resposta: não gosto da palavra discoteca porque me remete para um ambiente completamente retro (anos 80)...
Soa a uma palavra completamente contextualizada naquela época desactualizada...
Acho que quem opta por chamar outros nomes às discotecas, se sai sempre bem.
Club é um bom exemplo.

terça-feira, abril 25, 2006

[51 / Revealing The Uncountable Topographers]

Quando reparo num topógrafo nas ruas, vejo-me obrigado a procurar o outro topógrafo. É algo a que não consigo resistir. Às vezes bem tento olhar disfarçadamente para o local onde está direccionada a máquina do primeiro topógrafo, mas nem sempre consigo encontrar o segundo.

Estes episódios são fácil e especialmente transferíveis para as discotecas (I hate this word). Refiro-me a vários aspectos:
_ a facilidade com que nós próprios reparamos no interesse que temos por pessoas específicas; tornamo-nos topógrafos prontos a estabelecer contacto visual com outra pessoa;
_ a dificuldade com que a outra pessoa se apercebe que se está a tornar topógrafa: de repente nota que há alguém que olha bastantes vezes para ela, mas não consegue decifrar qual a intensidade/superficialidade do interesse da pessoa inicial;
_ a dificuldade com que conseguimos detectar outros topógrafos na discoteca.

O primeiro aspecto envolve exclusivamente a nossa atracção pessoal, pelo que não nos é nada difícil adivinhar quais seriam as nossas opções na selecção de colegas de trabalho topográfico.
O segundo, nos casos em que o alvo da selecção somos nós, pode envolver bastante coragem por parte da(s) outra(s) pessoa(s), dado que podemos aperceber-nos do interesse alheio através de métodos muito diversos. A divergência nestes métodos é da exclusiva responsabilidade da(s) outra(s) pessoa(s), dado que diferentes tipos de abordagem podem requerer níveis de coragem idênticos, consoante as pessoas. Assim, a “ousadia” de um ser humano fixar o olhar em alguém e deixar-se apanhar repetidamente nessa actividade, pode ser equivalente à ousadia de outro ser humano quando decide tentar estabelecer uma conversa, tendo como objectivo principal obter um nome ou um número de telefone. Por seu lado, alguém que arrisque um beijo, pode sentir o mesmo nível de insegurança/desconforto que a pessoa que está a tentar estabelecer o contacto visual inicial.
O último aspecto é, a meu ver, o mais interessante de todos. Ele ocorre quando nos alheamos desta nossa profissão forçada e tentamos detectar o trabalho exercido pelos outros. De vez em quando temos indícios de que amigos nossos estão interessados em alguém que está por perto, mas não conseguimos fazer ideia de quem seja, a não ser que nos digam quem é. Mas isso nem sempre acontece. E quando tentamos observar estes padrões em pessoas que não conhecemos? Torna-se tudo ainda mais complexo.
Não detectamos receios e incertezas realistas por parte dos topógrafos que estão em nosso redor. Não conseguimos encontrar os olhares cruzados, mas o facto é que eles devem estar a ocorrer durante as nossas distracções. Não avistamos a evolução dos comportamentos que a cada momento tendem a tornar-se mais notórios. Não nos apercebemos da desilusão que um gesto errado pode provocar no outro topógrafo.
Todo o trabalho parece ser feito na clandestinidade, até que de repente a interacção corporal (bem) explícita torna oficialmente visível o processo que tinha estado camuflado. Normalmente esta visibilidade só ocorre quando o comportamento é socialmente irreversível, tal como é o caso da conversa ou de um beijo.

E enquanto nos debruçamos sobre os interesses imperceptíveis das pessoas que estão ao nosso lado, não fazemos a mínima ideia do quão disseminado este fenómeno está, debaixo daquele tecto onde as pessoas dançam e se observam. Não imaginamos a quantidade e diversidade de topógrafos que nos rodeiam. Não sabemos quando é que estamos a impedir fisicamente a troca desses olhares (quer distraindo um dos topógrafos, quer colocando-nos acidentalmente entre eles os dois - é nestes momentos que nos tornamos lixo visual para os dois topógrafos que tentam a todo o custo arranjar um novo local estratégico). Nem sequer temos consciência de que se existisse um fio de conexão entre cada olhar que se cruza interessadamente, estaríamos certamente envolvidos num casulo gigante.

[50 / About The Difficult Task Of Transmitting An Intimate Insight]

Há claramente um desfasamento entre a grandeza dos insights que experiencio e aqueles que consigo veicular nas minhas frases.
Mesmo aqueles que são focados aqui, nem sempre são descritos da forma exacta como os vivencio...
Deste modo não é difícil comprovar que apesar da intimidade de alguns posts, continuarei a ser sempre aquele que melhor os conhece.

terça-feira, abril 18, 2006

[49 / Reciprocity]

É gratificante quando os gigantes dedicam algum do seu tempo a responder aos nossos elogios.

domingo, abril 16, 2006

[48 / The Very Few Deities Who Share Their Life With The Rest Of Us]

Teimo em cair no erro de glorificar caras indescritivelmente bonitas…
Há situações em que sinto pena dessas pessoas por não conseguirem rodear-se de pessoas igualmente belas. Devem olhar em volta e nada lhes deve dar interesse.
Vejo-as como autênticas ilhas isoladas e inacessíveis. Para mim é legítimo que nos desprezem.

Mas a verdade é que essas pessoas se adaptam a nós. Porque o fazem? Porque não se deixam tornar completamente independentes? Porque se adaptam às mesmas lógicas de pensamento que nós? Porque têm também de se confrontar com pessoas que não gostam delas? Como é possível que alguém não goste delas? Porque têm de viver misturadas connosco? Porque não têm a vida facilitada? Porque partilham connosco a capacidade de se tornarem reféns de críticas destrutivas? Porque respiram o mesmo ar que todos nós? Porque conseguem sentir emoções negativas? Porque comunicam connosco? Porque não são tratadas como seres superiores? Porque é que também sabem o que é a vertente prática de uma depressão? Porque procuram a felicidade em nós? Porque se deixam apaixonar por pessoas que não atingem o seu nível de beleza? Porque são forçadas a ter histórias de vida banais?
A vivência connosco parece não trazer qualquer benefício...

Só encontro uma explicação plausível: o interior não deve estar ao mesmo nível supremo que o exterior.
A verdade é que gostava de encontrar alguém que refutasse esta teoria. O meu mais puro fascínio surgiria a partir desse momento.

sábado, abril 15, 2006

[47 / Physical Attraction]

Finalmente consigo explicar o meu fascínio por olhos claros.
Descobri que o mérito não advém exclusivamente da tonalidade da íris, mas sim do facto de se conseguir observar a pupila a uma distância razoável.
É por isso que há certos tipos de olhos castanhos que também me cativam.

Falta ainda saber explicar a razão para o meu interesse recente em cotovelos...

quarta-feira, abril 05, 2006

[46 / No Barriers Imposed On Strangers]

Este semestre aprendi que a fala não é um processo automático (ao contrário do que ocorre com a leitura).
Contudo, ontem passei por uma experiência que quase abriu uma excepção a essa teoria.
Estava a caminho de casa quando de repente vejo uma cara conhecida da universidade. A cara de alguém com quem me cruzo bastantes vezes, tanto no campus, como nos bares para onde costumo ir de noite. Como se isso não bastasse, tenho também o hábito de incluir essa cara nos meus pensamentos, de tempos a tempos.

E ontem voltámo-nos a cruzar. Olhámo-nos e abri a boca. Não proferi a expressão "Olá!" porque me contive nos milésimos de segundo finais.
Não é que tivesse algum mal o facto de nos cumprimentarmos, mas seria completamente despropositado, até porque nunca nos falámos durante estes anos todos (apesar de ambos termos sido apanhados em flagrante quando de repente o Hi5 começou a enviar newsletters com as pessoas que visitam os profiles de cada um).
Aliás, até teria sido interessante ver o desenrolar da situação caso eu não me contivesse a tempo.

Pessoas que me passam pela cabeça várias vezes por semana...
É natural que quando as veja de repente, as confunda por breves instantes com as pessoas com quem lido e cumprimento habitualmente.
Silly brain !

quinta-feira, março 30, 2006

[45 / Throwing Pigs To Pearls]

A minha propensão para relaxar era enorme.
Peguei numa cadeira, pu-la na varanda e sentei-me a apanhar sol enquanto ouvia música.
Não levou muito tempo para que me abstraísse do local onde me encontrava para ir de encontro ao significado das palavras inglesas que ouvia melodicamente. Só o vento frio e intermitente parecia querer trazer-me de volta para a realidade.
Num desses regressos vi que uma mulher estava na varanda do seu apartamento, uns prédios mais à frente. Estava de pé, com a mão no corrimão da varanda e a olhar em frente. Quis saber que paisagem estaria ela a ver. Nada… Não havia nada de especial na paisagem para que ela ficasse a admirá-la durante muito tempo.
Foi então que dei por mim a fazer o processo inverso: olhar-me através da varanda dela. A minha paisagem era exactamente a mesma (a única diferença era o ponto de vista): um festival de tijolos, cimento, tábuas de madeira, areia, andaimes, ferro, uma grua, poças de água suja e outras coisas feias que estão destinadas a fazer parte integrante de um novo prédio bracarense cujos apartamentos serão vendidos a preço de ouro.
Perante um cenário destes é quase ilegítimo termos prazer em estar numa varanda para nos abstrairmos. Dei por mim a cair na realidade: quantos de nós têm de se limitar a viver em caixinhas feias e padronizadas, independentemente da pessoa que somos, dos ideais em que acreditamos, das aspirações e objectivos que temos?... É a isto que se chama viver numa cidade? Será este o sonho urbano?

quarta-feira, março 29, 2006

[44 / Simple Questions, Hard Answers]

Porqué é que é mais fácil aprender a desconfiar do que a confiar?

Porque é que é mais fácil criticar do que elogiar?

Porque é que é mais fácil o processo de distanciamento entre duas pessoas do que o de conhecimento mútuo inicial?

sábado, março 25, 2006

[43 / (Not) Together]

Algures neste planeta está a pessoa por quem sempre ansiei.

És capaz de me estar a procurar neste momento, mesmo sem me conheceres. Olhas em volta mas só vês fontes de desinteresse perpétuo (pelo menos para a especificidade subjectiva dos teus gostos).
Aprisionado pela distância geográfica, eu sinto-me impotente por não poder estar aí e conseguir estabelecer a minha influência periférica. A difusão mútua das nossas influências seria tão intensa que nunca se apagaria das nossas memórias e a sentiríamos sem precisarmos de cientistas para o comprovar.

Mas vamos morrer sem nunca nos vermos. Nunca terei a imagem precisa do teu rosto. Nem tu do meu.
No entanto temos a perfeita noção de que existimos. Somos a melhor fusão que a contemporaneidade nos conseguiu arranjar.

Penso em ti a conformares-te lenta e sequencialmente às três leis que se abatem sobre todos nós. A que ser humano incompatível darás o privilégio da tua entrega?

Agora _ Eis o filtro supremo que nos limita à nascença a miríade de potencialidades amorosas. Somos obrigados a fazer a nossa selecção no âmbito da população que vive o escorrer dos nossos dias. Quem me garante que nascerá daqui a um século a personalidade que mais fascínio traria ao meu cérebro? E quem me garante que ela afinal já morreu há séculos? Terá morrido no dia em que eu nasci? Nascerá no dia em que eu morrerei?

Aqui _ O filtro que nós já conseguimos manipular, ainda que de forma muito rudimentar. Na contemporaneidade que nos invade, existirá certamente alguém que sobressai. Essa pessoa pode nem chegar ao nível impressivo obtido por “concorrentes” que a História se encarrega de nos desencontrar, mas é a ideal por entre toda a gente actual no planeta. Qual a distância a percorrer para a encontrar? Que nação defenderá? Que língua e cultura impregnam os seus pensamentos? Poderíamos viajar incansavelmente e no entanto as hipóteses de não a tocar com os olhos são estatisticamente significativas e desanimadoras.

Disponível _ O fosso em que todos caímos. Provavelmente apenas uma fatia microscópica da população mundial evita esta lei. Provavelmente essas pessoas felizes são as que preenchem hoje as lendas que percorrem as bocas do mundo. Provavelmente esses deuses e deusas mortais souberam desde o primeiro olhar cúmplice que tinham escapado às três leis, especialmente gratos por não se submeterem à infelicidade causada pela aleatoriedade intransigente da lei “agora”. Provavelmente. A lei da disponibilidade traduz-se no conformismo puro. Conformismo por nos adaptarmos às pessoas que nos rodeiam. Não ao nível da amizade, mas ao nível do amor cego e verdadeiro. Como é fácil sermos subjugados à comodidade entorpecedora desta lei. Como é fácil sucumbirmos à felicidade não-extrema. Acata-se o facto de vermos alguém minimamente interessante que passa em frente ao nosso olhar [que não deixa (nem deixará) de procurar saciar-se] e imaginamo-nos a viver com ela. Pessoa interessante? Sim! Com ligações significativas com outrem? Não. Sim. Talvez. Então procuramos entrar em cena. Seja antes do início do primeiro dos romances, ou depois do mais recente divórcio. Ascendemos na hierarquia e pensamos erradamente que a cada passo que damos, atingimos o pico. A passagem do tempo acabará por nos confirmar o que recusamos ver inicialmente. Fazemos tudo isto, completamente alheios (à excepção de alguns casos) ao pensamento que nos grita “Estás bem longe daquilo que poderias ter alcançado… Não sucumbas!”.

quarta-feira, março 22, 2006

[42 / Piece Of Provocation]

A minha mais recente ideia provocadora: ir em grupo para um bar e cada um levar os seus headphones (ligados a um leitor de cd's/mp3). Depois deixar o movimento corporal ser formatado palas batidas que cada um ouve.
Ver a dessincronização na dança, não só entre cada membro do grupo (já que cada qual está a ouvir a sua música), mas principalmente entre o grupo e a multidão que ouve a mesma música em conjunto.
Seria uma espécie de caos controlado.

Gostaria o dj de ver uma actividade deste teor?

domingo, março 19, 2006

[41 / Fact]

Se tivesse de pagar uma multa por cada vez que imagino a possibilidade de partilhar momentos íntimos com diferentes pessoas que me prendem o interesse, estaria falido.

[40 / Tonight]

Breve mas intenso. É como descrevo este momento em que esqueço a minha ideia recente de que o facto de não se partilhar um romance não é um estigma. Foi essa a minha principal aprendizagem implícita depois de me ter sentido fascinado por alguém que feriu e transferiu.
Hoje preciso de uma mão para segurar, de uns lábios para beijar, de uma mente para explorar, de um corpo para amar.
Deve haver mentes tão bonitas por trás de caras que me passam tantas vezes ao lado... E eu não sei ver quais…

terça-feira, março 07, 2006

[39 / Such A True Sentence]

"Se acreditas no amor à primeira vista, não pares de olhar."
(in Closer)

Porque neste aspecto funcionamos todos à base da "tentativa-erro".

segunda-feira, março 06, 2006

[38 / Carnival Without Masks]

Posso estar a fazer uma análise completamente desfasada da realidade, mas pelo que vi este ano, no Carnaval, só uma pequeníssima minoria se mascara para ir para os bares e discotecas.
Mas a maioria também não é composta pelas pessoas que se vestem de uma forma habitual. Não. A maioria compreende as pessoas que se fantasiam.
A noite de Carnaval é igualmente válida para datings, por isso não se pode desperdiçá-la com máscaras que nos impedem de mostrar quem somos fisicamente.
É por isso que recorremos às fantasias: conjuga-se a "liberdade" de sermos quem quisermos no Carnaval, com o aspecto utilitário que procuramos.

sábado, março 04, 2006

[37 / Her]

Houve uma altura em que achei que eras a rapariga mais interessante que tinha conhecido pessoalmente. Ainda hoje me questiono sobre isso.
Linda nos teus cabelos pretos e olhos azuis.
Linda na tua forma de pensar. Gostava das opiniões políticas que partilhávamos.
Houve uma noite em que fiquei a olhar para ti enquanto dançavas com os "nossos" caloiros. Naquele momento vi-te como merecedora do estatuto de princesa, mesmo que ele só perdurasse uma noite.

Hoje que já tens o teu príncipe, voltei a ter aulas contigo. Pareces ter sucumbido ao espírito que invade o teu (e o meu antigo) curso. Não ficaste sentada ao meu lado, mas mesmo assim ouvi os teus vários queixumes acerca dos conteúdos leccionados na aula. Porque o fazias atrevidamente? Porque "desrespeitavas" o professor dessa maneira? A matéria que ouvias tinha um teor neutro... Porque chamavas a atenção daqueles que te são próximos e estavam a escrever apontamentos demoradamente? Porque passaste também a intercalar os apontamentos com frases desnecessárias ditas aos que estão em teu redor? Estavas hiper-crítica e não encontrei fundamento para essa atitude. Assemelhavas-te a tudo aquilo que eu sempre vi como negativo na mente de qualquer cientista social, a tudo aquilo que transborda nas palavras proferidas pela maioria dos meus ex-colegas. Se te tivesse conhecido hoje, associar-te-ia a eles.

Mas já te avaliei assumidamente a personalidade: foste voluntária nesse moroso processo. Espero que o teu comportamento de hoje se reflicta numa personalidade-estado. Espero que a tua personalidade-traço não seja diferente daquela que mostraste ter nos momentos em que convivi contigo.