terça-feira, agosto 01, 2006

[70 / Dear John]

Poucas horas faltam para abandonares definitivamente a idade de ouro.
Vais passá-las estupidamente a dormir. Bem sei que já não há privilégios relevantes adquiridos quando se alcança/ultrapassa o vigésimo segundo ano de vida, mas é algo a que terás de te habituar.
Uma vez mais vais querer acordar momentos antes das oito da manhã para te veres ao espelho e imaginares a sala do hospital onde há anos atrás foste confrontado pela primeira vez com a luz solar. Sala essa que os teus pais já não sabem identificar; apenas sabem indicar o corredor. Talvez nunca chegarás a saber ao certo que paredes testemunharam o teu nascimento.
É interessante fazeres a retrospectiva de uma jovem vida durante breves minutos. Analisares o percurso com trilhos ambiguamente decadentes e sublimes que foste forçado a percorrer. Veres o reflexo do teu aspecto físico e conversares mentalmente com a pessoa que os teus olhos observam. Chamares a criança feliz que houve em ti e confrontá-la com o resultado final de uma viagem ao mundo subterrâneo da condição humana. Ambos estranhamente donos do mesmo corpo… Mas irreconhecíveis interiormente.
É tarde para te salvar do teu passado. Será tarde para o meu eu futuro me salvar do meu futuro próximo. As máquinas do tempo ainda não estão disponíveis, nem acredito que algum dia estarão, senão já teríamos sido abordados pelos nossos descendentes. Gostava de te ter podido ajudar quando precisaste, João. Tenho a certeza que o meu eu futuro dirá o mesmo quanto à avalanche de acontecimentos que eu ainda não sei que irão ocorrer.
Não gostei de ver o teu estado nestes últimos dias; parecias disposto a abandonares-te. Não voltes a descer essa gruta. Ainda te vejo a colmatar as fendas do terramoto que te assolou recentemente.
Tenta cimentar as tuas crenças com as ferramentas que possuis. Só assim conseguirás manter a sanidade mental.
Espero ver-te com mais confiança daqui a um ano. Gostava de te assegurar de que poderás estar tranquilo acerca do teu mundo externo, mas isso é-me impossível de controlar.
Desejo-te os mais felizes dos acasos.
Despeço-me aqui, João.
Um abraço.

1 comentário:

Anónimo disse...

E, ainda assim, Deus te espera.A vida é agora, fica bem :).