A batalha entre o interno e o externo parece não ter fim.
Por muito que nos esforcemos por ser melhores pessoas, a intensidade com que exercitamos o pensamento quase nunca é assinalável aos olhos dos outros. O conteúdo das nossas ideias nunca transparece para o exterior, a não ser que façamos algo que realmente seja observável.
Não poder ser transparente quanto aos meus pensamentos é algo que me incomoda. De certa forma acabo por reproduzir o padrão sufocante da superficialidade das relações sociais que com tanta destreza nos entorpecem e nos limitam o acesso à felicidade. Tenho pena por ainda não saber destruir essa limitação. Acho que é claramente um dos aspectos que tenho de trabalhar nos próximos tempos. Mas ao mesmo tempo torna-se difícil. Há dias em que ainda me parece Natal, mas o desânimo vem quando me cruzo com as caras que a minha memória reconhece e me indica que devo retribuir o cumprimento e o sorriso formal enquanto os meus pés continuam a levar-me até ao caminho que tinha traçado previamente. Os outros não notam absolutamente diferença nenhuma em nós nesse momento particular.
Penso nesta questão porque há poucos dias aconteceu-me algo de inédito enquanto estava numa fila de uma cantina universitária. Seríamos quatro pessoas a partilhar a mesma mesa naquele jantar. Por diversos motivos acabámos por inserir-nos na fila heterogeneamente. Pego no tabuleiro e no resguardo. A fila avança. Nos talheres. Avanço. No pão. Avanço. Na mousse de chocolate. Avanço. Encho o copo com sumo de laranja. Chegam à fila as duas últimas pessoas que partilhariam o jantar comigo. Constatavam que como já não nos viam na fila, teríamos já indo para a mesa. Uma delas referiu “O J. deve estar com tanta fome que já subiu. E o outro?”. Eu era o outro. Numa questão de segundos a minha existência era reduzida à insignificância de alguém sem nome. Não tinha a dignidade de ter uma associação a algo de palpável. Era feito de uma consistência efémera e irrelevante. E foi então que pensei nesta questão da invisibilidade do peso dos pensamentos que me percorrem o cérebro. No quão frágeis eles são. No quão débeis são, por não terem a capacidade de se transporem para o mundo que partilho com a humanidade que me rodeia. A convicção, as ideias, o turbilhão que apenas invade um único ser humano. Um único ser humano. No quão fácil é falar levemente sobre selves alheios, sem haver noção do funcionamento interno deles. No desrespeito.
Estes pensamentos prolongar-se-iam durante mais alguns segundos, mas aconteceu o impensável. Desbloqueei-me ao ver que o meu tabuleiro se movia, deixando-se levar pela verticalidade. As minhas expectativas das leis da Física estavam a ser violadas. Não ouvia som. Parecia que aquilo não estava a acontecer. Mas estava. Confirmei isso enquanto observava imóvel a trajectória do tabuleiro até atingir o chão e fazer um estrondo. Os pés das pessoas que estavam ao meu lado deram um salto e viraram-se para o tabuleiro. Na minha mão ainda permanecia o copo. Intacto. Nem uma gota de sumo desperdiçada. Apenas a mousse de chocolate teve como destino ser limpa por uma funcionária de olhar cúmplice em vez de ser ingerida por mim.
Por muito que nos esforcemos por ser melhores pessoas, a intensidade com que exercitamos o pensamento quase nunca é assinalável aos olhos dos outros. O conteúdo das nossas ideias nunca transparece para o exterior, a não ser que façamos algo que realmente seja observável.
Não poder ser transparente quanto aos meus pensamentos é algo que me incomoda. De certa forma acabo por reproduzir o padrão sufocante da superficialidade das relações sociais que com tanta destreza nos entorpecem e nos limitam o acesso à felicidade. Tenho pena por ainda não saber destruir essa limitação. Acho que é claramente um dos aspectos que tenho de trabalhar nos próximos tempos. Mas ao mesmo tempo torna-se difícil. Há dias em que ainda me parece Natal, mas o desânimo vem quando me cruzo com as caras que a minha memória reconhece e me indica que devo retribuir o cumprimento e o sorriso formal enquanto os meus pés continuam a levar-me até ao caminho que tinha traçado previamente. Os outros não notam absolutamente diferença nenhuma em nós nesse momento particular.
Penso nesta questão porque há poucos dias aconteceu-me algo de inédito enquanto estava numa fila de uma cantina universitária. Seríamos quatro pessoas a partilhar a mesma mesa naquele jantar. Por diversos motivos acabámos por inserir-nos na fila heterogeneamente. Pego no tabuleiro e no resguardo. A fila avança. Nos talheres. Avanço. No pão. Avanço. Na mousse de chocolate. Avanço. Encho o copo com sumo de laranja. Chegam à fila as duas últimas pessoas que partilhariam o jantar comigo. Constatavam que como já não nos viam na fila, teríamos já indo para a mesa. Uma delas referiu “O J. deve estar com tanta fome que já subiu. E o outro?”. Eu era o outro. Numa questão de segundos a minha existência era reduzida à insignificância de alguém sem nome. Não tinha a dignidade de ter uma associação a algo de palpável. Era feito de uma consistência efémera e irrelevante. E foi então que pensei nesta questão da invisibilidade do peso dos pensamentos que me percorrem o cérebro. No quão frágeis eles são. No quão débeis são, por não terem a capacidade de se transporem para o mundo que partilho com a humanidade que me rodeia. A convicção, as ideias, o turbilhão que apenas invade um único ser humano. Um único ser humano. No quão fácil é falar levemente sobre selves alheios, sem haver noção do funcionamento interno deles. No desrespeito.
Estes pensamentos prolongar-se-iam durante mais alguns segundos, mas aconteceu o impensável. Desbloqueei-me ao ver que o meu tabuleiro se movia, deixando-se levar pela verticalidade. As minhas expectativas das leis da Física estavam a ser violadas. Não ouvia som. Parecia que aquilo não estava a acontecer. Mas estava. Confirmei isso enquanto observava imóvel a trajectória do tabuleiro até atingir o chão e fazer um estrondo. Os pés das pessoas que estavam ao meu lado deram um salto e viraram-se para o tabuleiro. Na minha mão ainda permanecia o copo. Intacto. Nem uma gota de sumo desperdiçada. Apenas a mousse de chocolate teve como destino ser limpa por uma funcionária de olhar cúmplice em vez de ser ingerida por mim.
2 comentários:
Quando li o título pensei de imediato no filme (que por acaso ainda não vi), depois avancei e li a primeira frase e disse para comigo "não é que ele escreveu sobre o mesmo que eu escrevi ontem!", mas depois, porque este texto me começava a cativar, precipitei-me para a última frase (como sempre faço) e, novamente, algo despertou o meu interesse, desta vez a "mousse de chocolate" que com o menor esforço consegui imaginar. Decidi-me, então, a ler o texto de uma só vez e parar de saltitar nos paragráfos.
(agora que vou falar mesmo a sério do texto, empanco... Here we go...)
A forma como nos tratam prende-se, necessariamente, com a forma como tratamos os outros e como nos relacionamos e nos mostramos perante os outros.
Quem é mais calado, mais alheado, por vezes mais sonhador, sofre pelo esquecimento e indiferença dos outros. Quem fala alto e/ou muito, ri, canta, diz aos outros exactamente o que eles querem ouvir é, normalmente, mais apreciado porque se destaca.
No fundo e no geral, as pessoas não se dão ao trabalho de "procurar" os outros, os tais "selves alheios". É muito trabalhoso descodificar e, portanto, aqueles que "dão nas vistas" estão muito mais "à mão".
Penso (por agora) que será isso. A maior parte das pessoas, por muito que "filosofem", simplesmente, não se querem dar ao trabalho.
Well, gostei da forma como estruturaste o texto. Muito claro e consistente. E não tinha ideia de escrever tanto para um comentário O.o
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P.S.E, por vezes, não somos tão opacos como julgamos. Para aqueles que gostam de, verdadeiramente, observar e descodificar conseguimos ficar muito transparentes ;)
O reforço positivo é algo fascinante eheh Obrigada pelo comentário e pelo este post também ;) Inspirou-me.
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